Já não se duvida que a tecnologia de aplicativos é revolucionária nos mais diferentes aspectos de nossa vida. Existem aplicativos para todos os gostos, seja para se relacionar com outras pessoas, ver as últimas atualizações do mercado financeiro, ou mesmo para fazer compras, quase tudo está à distância de um clique.
O direito, até mesmo por se dirigir à regulação da vida social, não é imune as alterações das formas de se relacionar. Se surgem novas questões, deve o jurista buscar respostas adequadas para solucionar o problema. Não se trata de inventar a roda, mas sim de buscar nos princípios e conceitos fundamentais das disciplinas, diretrizes para guiar-se em situações complexas.
Pois bem, em 08/07/2020 foi publicada matéria em que se noticia que “Uber deve pagar 13º e férias a motorista, determina Justiça do Trabalho” (Clique aqui). A questão exsurgente é, há realmente vínculo empregatício entre o motorista e a UBER?
O que é a UBER?
A UBER se apresenta como empresa de tecnologia, não como fornecedora de serviços de transportes, de tal modo que em seu sítio eletrônico consta a seguinte declaração: “Nosso principal serviço é desenvolver tecnologias que conectem motoristas parceiros e usuários a qualquer hora” (Clique aqui). O próprio motorista é a todo tempo designado como “motorista parceiro”, indicando que não haveria subordinação jurídica entre o profissional e a empresa.
Para fins de caracterização de relação de emprego, contudo, importa caracterizar a presença dos requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, que podem ser resumidos da seguinte forma: a) alteridade da prestação de serviços (não se admite, no direito, a ideia de ser empregado de si mesmo); b) subordinação jurídica (a submissão, pelo empregado, às normas impostas pelo empregador); c) pessoalidade na prestação (o contrato de trabalho é intuito personae) d) onerosidade (a relação de emprego, para fins legais, deve ser remunerada); e) não eventualidade (não se configura, a princípio, relação de emprego a contratação por empreitada).
No caso noticiado (Processo nº 1000540-24.2019.5.02.0086 – Clique aqui), o juízo da 86ª Vara do Trabalho de São Paulo/SP entendeu que estariam presentes os requisitos para configuração da relação de emprego. Em específico, e no que mais chama atenção, afastou a alegação da empresa de que seria uma empresa de tecnologia, isto é, pelo entendimento do juízo, a UBER não seria mera intermediária entre o cliente e o motorista. Conforme se observa na sentença: “Afastada a tese de que a reclamada é uma empresa de tecnologia, porque nada recebe a esse título e que é mera intermediadora de negócio, porque regula toda a prestação de serviços de transporte, a operação que se dá no mundo dos fatos implica recebimento pela reclamada dos valores da prestação de serviços de transporte e repasse ao motorista dos valores que foram contratualmente avençados a título de prestação de serviços de transporte. A reclamada, portanto, remunera o motorista e não o contrário”.
Apesar dessa decisão, que em verdade é datada de 05/03/2020, o tema não é pacífico na jurisprudência. Muito pelo contrário, o próprio Tribunal Superior do Trabalho (TST) já possuí precedente sobre a matéria, decidindo justamente em sentido contrário à Sentença do processo supracitado.
O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho
Em outro caso (RR 1000123-89.2017.5.02.0038) que também discute a possibilidade de caracterização da relação de emprego entre motorista e UBER, a 5ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho entendeu que não estariam presentes os requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT.
Nesse caso, o TST analisou pontualmente a questão da ausência de subordinação jurídica entre o motorista e a empresa: “Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar ‘off line’, sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia” (Clique aqui para ver a decisão).
Mais, no tocante à distribuição de percentuais, a 5ª Turma do TST destacou que: “Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego” (Clique aqui).
Para este articulista, o posicionamento da 5ª Turma do TST parece ser o mais condizente com a realidade e os princípios do Direito do Trabalho. Ainda a atual desregulamentação de direitos do motorista de aplicativo seja insustentável, não nos parece que o Direito do Trabalho seja o âmbito adequado para tratar das questões decorrentes da relação entre o profissional e a UBER ou outras empresas de aplicativos.
Como se apontou anteriormente, a matéria não é pacífica e ainda está longe de ser definida. E você, o que tem a dizer sobre isso?
Deixe seu comentário e, se tiver dúvidas sobre a situação tratada no presente artigo, procure um advogado de confiança.